segunda-feira, 4 de abril de 2011

O homem que causava mais medo que Gaddafi

El País
Walter Oppenheimer
Em Londres (Reino Unido)
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Musa Imhimid Kusa, nascido em 1948, desenvolveu quase toda a sua carreira política à sombra de Muammar Gaddafi. Considerado em certo momento o braço-direito do coronel, ou um de seus muitos braços-direitos, consolidou sua influência durante os 15 anos que passou à frente dos serviços secretos da Líbia. A mudança geoestratégica causada pelos atentados de 11 de setembro de 2001 levou Kusa a se transformar em um dos principais promotores da aproximação da Líbia com o Ocidente. Uma mudança estratégica da qual dizem que Gaddafi sempre receou e que só aceitou a contragosto. E que parece estar na origem de um crescente afastamento mútuo que agora se concretizou em pura e simples deserção.
Os papéis do Departamento de Estado vazados pelo WikiLeaks desenham Kusa como um pragmático, desejoso de não provocar o Ocidente e incômodo com as intransigências de Gaddafi e alguns de seus desafios menos necessários. Um Kusa que já beira os 60 e que se parece muito pouco com o ardoroso estudante que no início dos anos 1970 entrevistou Gaddafi para seu trabalho de graduação em sociologia na Universidade de Michigan. "Era um homem muito brilhante", lembra no jornal "Los Angeles Times" o então orientador da tese e hoje responsável pelo departamento de sociologia, Christopher K. Vanderpool. "Teria feito muito bem se quisesse ser professor de planejamento social."
Mas Kusa rejeitou as ofertas de realizar um doutorado em Michigan e preferiu voltar à Líbia do coronel Gaddafi e começar sua carreira política como responsável pela segurança nas embaixadas líbias na Europa, transformando-se no embaixador em Londres em 1980. Uma etapa que seria muito breve. Declarações dele afirmando sua admiração pelos terroristas do IRA e uma entrevista no "Times" na qual expressou seu apoio ao assassinato de exilados líbios no Reino Unido provocaram sua expulsão.
Novamente em Trípoli, transformou-se no diretor do Centro Mundial de Resistência ao Imperialismo, um instrumento que tentava exportar a revolução de Gaddafi para outros países. No final dos anos 80 chegou a número 2 da espionagem líbia, a Organização de Segurança Externa. Alguns serviços de inteligência acreditam que nesse período Kusa idealizou ou apoiou vários atentados no exterior, como o do avião da PanAm que explodiu sobre Lockerbie, na Escócia, a explosão de um avião francês no céu do Níger ou o atentado a bomba em uma discoteca na Alemanha.
Depois de um breve período como nº 2 das Relações Exteriores, Kusa alcançou em 1995 o ápice dos serviços de inteligência, uma posição de enorme poder que manteve durante 15 anos, até 2009, quando foi nomeado ministro das Relações Exteriores.
O que parece uma ascensão, um cargo político de relevância pública, pode ser também uma prova de seu afastamento da sombra que mais o protegia: a de Gaddafi. Os acordos pelos quais a Líbia deixou de ser um país pária em troca de renunciar a seu programa de armamento nuclear e entregar os suspeitos do atentado de Lockerbie parecem ter minado a relação com o coronel.
As posteriores negociações para transferir à Líbia de uma prisão na Escócia o único condenado pelo atentado de Lockerbie lhe permitiram conectar-se diretamente com os serviços de inteligência britânicos, e de fato esteve duas vezes na Escócia durante essas negociações. Aquele vínculo pode ter facilitado agora sua fuga para o Reino Unido.
Seu distanciamento do coronel ficou patente em uma cúpula internacional em dezembro, quando se via Kusa com frequência fumando nos corredores, sem acesso à sala em que Gaddafi estava fechado com sua família e seu círculo mais próximo. Ou os rumores de que teve dois confrontos graves com filhos do líder líbio, e que em um deles um dos filhos o esbofeteou em público. Ou a anedota relatada por um correspondente da BBC, que acredita ter visto um Kusa mais humano e acessível em seus últimos anos à frente da inteligência.
Um Kusa muito diferente do que o que conheceu Jim Swire, pai de uma das vítimas de Lockerbie em uma viagem a Trípoli em 1998. "Era um homem que dava muito medo, mais medo que o próprio Gaddafi. Estava claro que era ele quem manipulava tudo", declarou ontem.
Baixas diplomáticas
Desde que começaram os protestos na Líbia, as deserções de políticos e diplomatas se sucederam como mostra de desafeto com o regime de Gaddafi.
- Ali Abdusalam Treki. O embaixador na ONU renunciou ontem a seu cargo no Cairo em protesto pela "espiral de sangue" no país.
- Abu Zayd Durda. O chefe da inteligência líbia decidiu fugir ontem para a Tunísia.
- EUA. O embaixador Ali Aujali comunicou em 22 de fevereiro que não continuaria representando o regime de Gaddafi.
- Austrália. Toda a embaixada rompeu relações com o ditador em 22 de fevereiro.
- China. Um diplomata se demitiu e instou todos os membros do serviço exterior a fazerem o mesmo.
- Índia. O embaixador Ali el Esaui renunciou ao cargo em protesto pela violência exercida pelo regime.
- Suécia. O embaixador em Estocolmo decidiu se opor a Gaddafi no mês passado.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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